23 de setembro de 2009

Amo e Não Amo

Amo as coisas simples da vida, como minha família, marido, minha filha e meu enteado. Amo ver filmes e ler, e em ambos os casos sempre acabo dormindo (o que também amo). Amo andar ao ar livre, sentir cheiro bom, como terra molhada e flores, embora não seja chegada à flores pois sempre as achei muito fúnebres. Amo papear com minhas amigas, contar coisas e falar de asneiras. Não me considero fútil, mas adoro comprar e comer bem, afinal é pra isso que existe dinheiro. Amo sair para trabalhar, e estudar e conhecer. Eu amo ler e escrever. Amo olhar o céu, as nuvens de dia e as estrelas à noite, ver os pássaros e ouvir suas cantigas, ver as pessoas, as sentir, abraçar, beijar... Amo o tato. Amo ouvir e contar histórias, saber o porquê das coisas e obter respostas; amo aprender. Amo MPB do Djavan, Marisa Monte, Zé Ramalho, Cássia Eller, Jorge Vercilo, Ana Carolina, Vanessa da Mata e afins, amo os pagodes lentos e antigos e que muita gente acha brega (RS), música antiga que meu pai ouve e aprendi a gostar, hip hop lento, rock lento e um bom POP (de preferência estrangeiro), mas ouço todo o resto... Amo passar os dias em casa curtindo minha família, conversando e debatendo, deitada vendo televisão ou mesmo arrumando as coisas e deixando tudo no lugar. Amo Coca-Cola, Mc Donald's, doces, barras de chocolate, MM's, bombons Garoto, Nutella, bombom de Cereja, suspiro, comida boa, churrasco, saladas, camarão frito, lasanha, costela, dobradinha, caipirinha, suco de melão, kiwi, goiaba, fruta do conde, limonada, café, Sucrilhos, as comidinhas da minha vózinha, as que more faz e todas as coisas engordativas da vida. Amo principalmente compartilhar todos esses momentos e as coisas com a minha princesa, meu príncipe e meu rei. Me sinto realizada.
Não sou chegada às coisas sem conteúdo, pessoas falsas, hipócritas e tiranas. Não sou chegada àqueles que maltratam os filhos, gritam, batem e não conversam. Eles não os conhecem, não os entendem e não são presentes espiritualmente. Não sou chegada à pessoas acomodadas, que se acostumam, não têm ambição e ainda se justificam na fé, no carma ou sei lá o quê. Pelo amor, eu gosto de luz e não de escuridão. Não sou chegada à pessoas desorientadas, que não sabem conversar, não entendem nada, não conhecem o mundo, não têm cultura, não se aperfeiçoam em nada, vivem isoladas em mundos que só existem em suas cabeças. Não sou chegada à pessoas fúteis, que não se importam com os outros; seja altruístas e não egoncêntrico. Não sou chegada à pessoas que vivem tentando viver a vida dos outros, se importam demais, definem demais, julgam demais, mas no final fazem tudo isso por não serem iguais, por não terem o que o outro tem. Não gosto de quem não respeita o mundo, destrói a natureza e esquece que isso aqui é herança dos seus filhos e netos; não tolero quando não há bom exemplo. Não gosto de quem maltrata crianças, idosos e animais, abandonam e etc; isso é mal, é péssimo. Não sou chegada aos que ficam à toa, não cooperam com nada, não ensinam, não aprendem, não têm significados; estes são nada.
Eu sou mais um ombro amigo, um carinho, um chamego, uma conversa fiada. Quem se sente muito, não se vê! Não enxerga destreza, amplitude e imensidão na vida e em viver. Pessoas que vivem do ócio, trancadas em casa, atrás da tela de um computador ou televisão, não conseguem ver que isso não é oxigênio, apenas um meio de trabalho ou de comunicação. Vai para fora respirar, sentir, viver e resistir, o mundo está aí, ele é seu, aproveite! Esqueça todo o resto e sinta-se bem.
Não dou valor à quem não sabe o que é isso, e se dei, ops, eu fiz minha parte e não me arrependo. Não sou pedra, sou humana, injustiça e incapacidade se fossem bons eram vendidos.

3 de setembro de 2009

CREMATÓRIO DE CÉREBROS

É comum o horror diante da brutalidade de dirigentes que queimam livros e prendem ou matam intelectuais como o imperador chinês Shih Huang Ti, que 210 anos antes de Cristo, decidiu queimar todos os livros e matar todos os estudiosos de seu império. Até hoje, a Inquisição horroriza o imaginário da huminidade pelo crime de destruir livros e matar intelectuais durante a Idade Média. Em Berlim, no campos da Universidade Humboldt, há um local de reverência indignada no lugar onde Hitler queimou milhares de livros.
Mas não nos horrorizamos quando os livros são impedidos de serem escritos e os jovens de se transformarem em escritores. Indignamo-nos com a queima de livros e a prisão de escritores, mas não com a incineração de cérebros como se faz no Brasil, ao negarmos educação ao povo. Pior do que queimadores de livros, somos incineradores de cérebros que escreveriam livros se tivessem a chance de estudar. A História do Brasil é a história do impedimento de que livros sejam escritos e de que cientistas e intelectuais floresçam.
Quando os livros são queimados, alguns se salvam. Mas, se eles não são escritos, não há o que salvar. Quando os escritores se salvam, eles escrevem outros livros, mas, quando não aprendem a ler, queimam-se todos os livros que poderiam escrever.
O Brasil é um crematório de cérebros.
Ao nascer, cada ser humano traz o imenso potencial de um cérebro vivo e virgem. Como um poço de energia a ser ainda construído; pela educação. No Brasil, 13% dos adultos são analfabetos, apenas 35% concluem o ensino médio; destes só a metade tem uma educação básica com qualidade acima da média. Portanto, oitenta e dois porcento ficam impedidos de escrever e todos os livros que escreveriam são queimados antes de escritos. Como se o Brasil fosse um imenso crematório de inteligência.
As conseqüências são perfeitamente perceptíveis: basta olhar a cara da escola pública no presente para ver a cara do país no futuro. Apesar de nossos quase 200 milhões de cérebros, o quinto maior potencial intelectual do mundo, o Brasil continuará a ser um país periférico na produção de conhecimento. Da mesma forma como China regrediu intelectualmente depois de Shih Huang Ti; a Alemanha, com Hitler; a Península Ibérica, com a Inquisição; o Brasil está perdendo o potencial de seus cérebros interrompidos. O resultado já é visível; ineficiência, atraso, violência, desemprego, desigualdade, tolerância com a corrupção e a contravenção. Um país dividido por um muro da desigualdade que separa pobres e ricos - e separado das nações desenvolvidas.
Durante anos , falou-se no "decolar" da economia. Achava-se que para um país ter futuro, bastava educar uma elite, um pequeno conjunto de profissionais superiores a serviço da economia. Formamos uma minoria no ensino superior, escolhida depois de base, e perdemos o potencial de dezenas de nilhões deixadas para trás.
Ou o Brasil se educa ou fracassa; ou educamos todos, ou não teremos futuro e a desigualdade continuará; ou desenvolvemos um potencial científico-tecnológico ou ficamos para trás. Se a universidade é a fábrica do futuro, ensino fundamental é a professora primária que lhe tivesse ensinado as primeiras letras e as quatro operações. Albert Einstein não teria se tornado cientista. Nossos prêmios Nobel morreram antes de aprenderem as quatro operações. Não podemos formar inteligências enquanto formos queimadores de cérebros. Não podemos melhorar a educação superior sem uma educação realmente universal e de qualidade para todos.
Só o pleno desenvolvimento do imenso potencial de energia intelectual dos brasileiros permitirá derrubar o muro do atraso e o muro da desigualdade. Mas isso exige que o horror que sentimos por estrangeiros que queimavam livros e sábios seja transferido para nós próprios incineradores de livros que não foram escritos, de doutores que morreram analfabetos. Incineradores de cérebros.

(BUARQUE, Cristóvam. Crematório de Cérebros. Rio de Janeiro. Jornal O GLOBO. 27, Out. de 2007)